A luta pela valorização do periférico

Projeto Caranguejo Tabaiares Resiste atua pelo direito à moradia e pela qualidade de vida na comunidade majoritariamente negra

Sarah Marques destaca força da união contra o preconceito. Foto: Thays Martins/Esp. DP

Thays Martins
thays.martins@diariodepernambuco.com.br

“Sou mãe de filhos negros de 14 anos, um menino e uma menina, mas eu sofro muito com meu filho. Tenho que pedir para ele não sorrir quando a polícia passar para não levar um tiro. O sorriso dele é a coisa mais linda do mundo, mas tenho que pedir isso e sei que várias mães nesse país também”. O desabafo é da mãe solo Sarah Marques, cofundadora do coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste, que luta pela permanência de cerca de cinco mil moradores da comunidade e pelo direito à cultura, saúde, lazer e uma vida digna.


“A gente sente no olhar e nas falas que muda a forma de se apresentar, porque quem sofre preconceito pela cor, sofre o preconceito de já chegar com a marca de ser negro e favelado. E a gente que mora aqui sofria muito mais porque essa comunidade, se você passar pela avenida, não enxerga, mas já foi muito falada pela violência. E agora somos conhecidos pelo nome e sobrenome Caranguejo Tabaiares. O Caranguejo do Brega Protesto e do Cine Debate de Sarah, do seu Reginaldo da biblioteca”, comenta com orgulho.


A comunidade tem como principal pilar a luta pelo direito de existir. Sua voz cresceu no conflito fundiário do território, que é central, de grande interesse da especulação imobiliária. A reivindicação também é pelo direito de viver no lugar em que as famílias cultivam o sentimento de pertencimento. A comunidade ainda tem tradição pesqueira com mais de 100 anos de resistência e, após o surgimento do coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste, a população local se engajou na promoção da cultura e do lazer de quem vive no local.

A líder comunitária destaca que a luta por uma moradia digna é passada de geração em geração, pois seu pai era um nome forte nesta causa. O Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (Prezeis), projeto de lei elaborado por setores do movimento popular e pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife como forma de regulamentar a Lei de Uso e Ocupação do Solo no Recife, aprovou a criação de 27 Zonas Especiais de Interesse Social na Região Metropolitana do Recife, com o objetivo de promover a regularização jurídica da terra, protegê-la contra a especulação imobiliária e garantir que os assentamentos habitacionais populares tenham acesso à terra e a urbanização. O Caranguejo Tabaiares tornou-se uma Zeis há 24 anos.


Com esse legado de luta e resistência do pai, Sarah traz para o debate questões habitacionais, culturais e de saúde pública à tona, juntamente com seus companheiros de coletivo, endossando o sentimento de pertencimento e de valorização da população local pelo que são e de onde são. Reivindicando um projeto de habitacional chamado pela população de Terra Prometida”, a líder comunitária fala que os moradores não se intimidam com as ameaças de supostos compradores do terreno. Atualmente, a Terra Prometida vem sendo utilizada como uma opção de lazer para os jovens. “Tenho um recado para os jovens: escutem as mães, os mais velhos, que é muito importante para não deixar o legado morrer e a gente continuar lutando.”

Anúncios de bicicleta, recitação de poesia e estímulo à leitura

O coletivo trabalha com toda a comunidade fazendo anúncios por meio da bicicleta, recitação de poesia, estímulo da leitura na biblioteca. Também promove a produção do Brega Protesto, em que o grupo Adolescer criou um passinho e cantou uma música falando sobre os cuidados a serem tomados para evitar o contágio da Covi-19. Sarah destaca ainda que fome não é apenas de comida e que ações culturais são imprescindíveis para a população ter uma qualidade de vida mínima.


“Eles nos deixam com as fomes bem latentes que é pra gente ficar vulnerável e aceitarmos o que eles querem. É um sistema bem bruto que estamos enfrentando com o coletivo. É importante as pessoas verem uma mulher preta, uma mãe solo, sou mãe de gêmeos. Quando eles veem minha voz na rua eles sabem que também podem, elas sabem que também podem”.


Como o Caranguejo é uma Zeis seus moradores têm o direito de continuar residindo em seu território afetivo de origem, protegidos de serem desapropriados ou removidos para lugares distantes e periféricos em relação ao Centro da cidade.


Em 2013, a comunidade foi atingida por um incêndio, mas conseguiu se reestabelecer e luta desde então.

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