Não estamos todos no mesmo barco

População negra é atingida pela pandemia da Covid-19 de forma mais cruel, representando a maior parte dos mortos e doentes graves em Pernambuco

Aglomeração no transporte público coloca em risco a população negra. Foto: Paulo Paiva / DP foto

Carol Guerra
carol.guerra@diariodepernambuco.com.br

Navegar nas águas da pandemia não se deu da mesma forma para todos. Alguns estavam em cruzeiros – como num dos primeiros casos da infecção em Pernambuco -, enquanto tantos outros apenas resistiam se segurando em tábuas. Nunca estivemos no mesmo barco, como dizem por aí.
Em Pernambuco, segundo os dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE), negros e pardos representam 74,9% casos confirmados, 58,2% dos casos leves e 72,7% dos óbitos.


A Covid-19 mostrou diversas faces dos problemas sociais, entre eles a segregação étnico-racial. Segundo levantamentos da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), um dos principais motivos para a epidemia de coronavírus no Brasil ter vitimado mais negros do que brancos são os fatores socioeconômicos que interferem no acesso à saúde.
De acordo com a Abrasco, a insegurança econômica diminuiu a capacidade dos negros se distanciar socialmente e os tornou dependentes de permanecer em seus empregos, apesar da ameaça à saúde, sendo o caso de comerciantes informais e empregadas domésticas, por exemplo.


Os dados, quando analisados no geral, mostram uma grande lacuna, pois traduzem a realidade por raça parcialmente. Dos 17.976 casos graves registrados em todo o estado até 18 de junho, 61,6% tiveram o critério raça/cor ignorado ou deixado em branco, representando 11.081 casos. Na capital, isso representa 75,3% das 6.932 confirmações. Ou seja, 5.217 registros.

“A comparação dos dados populacionais tem diversos fatores agregados, como pobreza, educação e saneamento básico, por exemplo. A questão biomédica não é pautada. Estão enfatizando o aumento no número de leitos, mas o aspecto de adoecimento e prevenção foi pouco mencionado. Nas poucas vezes que falaram sobre a prevenção e os cuidados com a Covid-19 é sempre levada uma questão generalizada da situação. O povo negro está à margem da maior parte de empregos formais”, explica José Ronaldo Vasconcelos, professor em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e representante do Conselho Regional de Enfermagem em Pernambuco (Coren-PE).

A força da comunidade contra o coronavírus

Fruto da Favela informa e auxilia moradores em Paulista. Foto: Divulgação

Onde o poder público não chega, quem atua são os moradores. No Ibura de Baixo, Zona Sul do Recife, Joelma do Vale, fundadora do Centro Comunitário Mario Andrade, já distribuiu 900 cestas básicas para a comunidade. Além disso, contou com a participação dos vizinhos no combate à pandemia, que criaram um mural onde todos os meses o número de infectados e óbitos no bairro, no Recife e no Brasil são expostos.


“As pessoas têm que entender e ter a consciência de que o vírus está presente. Aqui na comunidade muitas pessoas se contaminaram e tivemos vizinhos que vieram a óbito”, relatou Joelma.

Na Comunidade do Jacaré, em Paulista, o Fruto de Favela criou uma rádio para difundir as principais informações sobre prevenção. Além disso, distribuiu cestas básicas para cerca de 450 famílias em cinco comunidades e espalhou cartazes com dicas e alertas na região de Maranguape I.
“Há a questão de saneamento básico, da falta d’água e entendemos que, sendo jovens, temos o poder de transformar as nossas realidades”, contou Daniel Paixão, criador do Fruto de Favela.

“É como se a pandemia tivesse acabado”

Trabalhadora negra da linha de frente, a técnica em enfermagem Cícera dos Santos, 41, conta que a pandemia trouxe mudanças profundas à vida de sua família. “Perdi o meu marido para a Covid-19. Ele se tratava de um câncer de intestino e tinha outras comorbidades. Durante o período de pandemia, a carga de trabalho que recebemos foi muito intensa, cheguei a passar 75 dias afastada das funções e precisei de ajuda psiquiátrica. Hoje, ver as atividades retornando como se a pandemia tivesse acabado me deixa apreensiva”, contou.


Outra preocupação é a lotação no transporte público. “Eu vejo que a maior parte de ocupação dos coletivos é da população negra. Nesses espaços o nível de contaminação é alto. Não há limpeza constante no intervalo entre as viagens nem álcool em gel disponível”, relatou.
Até agora, 22.701 casos de Covid-19 foram confirmados entre profissionais de saúde de Pernambuco.

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