Ela ganhou 14.114 motivos para resistir

Dani diz ter sido inspirada por Marielle Franco (PSol), com quem teve um encontro.
Foto: Tom Cabral/Divulgação

Elizabeth Souza
Especial para o Diario

O primeiro turno das eleições municipais do Recife trouxe um feito histórico para a capital pernambucana. Dani Portela (PSol), mulher negra do feminismo popular, foi a vereadora mais votada da cidade, com 14.114 votos. Entronizando o provérbio africano “Ubuntu”, que significa “eu sou porque nós somos”, Dani diz que sua trajetória até aqui só foi possível porque outras mulheres vieram antes abrindo caminhos por meio de lutas e resistências. Dentre estas, uma recebe destaque especial e a quem é dedicada a vitória obtida no Recife: a vereadora carioca Marielle Franco (PSol), com quem teve um encontro dias antes de seu assassinato, ocorrido no Rio de Janeiro, em 2018. “Ela pediu para que eu não desistisse”, conta.


Apesar de vir de uma trajetória política fecunda pelas atuações como advogada popular, historiadora, alfabetizadora, ativista do movimento negro e feminista, Dani nunca imaginou que enveredaria no meio político partidário. “Nunca imaginei meu rosto em um santinho”, diz. A decisão veio em 2016, com o impeachment da ex-presidente Dilma Roussef (PT). “O impeachment que ela sofreu foi um recado indireto de como a sociedade patriarcal se comporta quando uma mulher chega a um cargo importante”.


Naquele mesmo ano, ela resolve ingressar no PSol. Depois de filiada, em 2018, por meio de uma decisão coletiva, resolve concorrer às eleições estaduais se candidatando a governadora, encerrando a disputa em terceiro lugar. Questionamentos surgiram ao longo do caminho. “Por eu ser uma mulher negra vinda do movimento social e estar me colocando como candidata naquele momento”, contou. Dani afirma que tinha a certeza de não estar caminhando só, convicção que se fortaleceu em um encontro com Marielle Franco, em São Paulo, durante um evento do partido.


Mulher negra, mãe, lésbica, da periferia, Marielle era defensora assídua de pautas como os direitos das mulheres e da população negra. Trajetória que inspirou diversas mulheres pelo país, a exemplo de Dani Portela. E foi durante uma conversa entre uma atividade e outra que a então vereadora carioca fez um pedido à parlamentar recifense. “Ela pediu que eu não desistisse, que mulheres negras não desistissem, que era um tempo de retomada dos territórios políticos e saímos daquela conversa certas da mudança”, informou. Poucos dias após aquele encontro, Marielle foi assassinada, no dia 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro.

Esperançar
Em um cenário de tímido avanço comparado às últimas eleições municipais, quando nenhuma mulher negra foi eleita, Recife, em 2020, conseguiu eleger uma para a Câmara de Vereadores. Das 39 vagas, apenas sete são preenchidas por mulheres. Apesar disso, a eleição de Dani Portela surge como aviso de um movimento político que parte do eleitorado, que exige, cada vez mais, representatividade nos espaços de poder.

Representação política mudando

Olinda elegeu primeiro homem negro LGBTQ+ vereador. Foto:Rayanne Menezes

As eleições municipais no último domingo demonstraram um avanço no que a cientista política e professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho) Priscilla Lapa chama de “revisão da representação política”. Diversos municípios elegeram para suas Câmaras de Vereadores candidaturas que fogem aos padrões do político brasileiro médio, homem, branco e cristão. Paulista e Olinda são exemplos disso, apesar das mudanças a passos miúdos.


Flávia Hellen (PT) é uma das novas vereadoras de Paulista. Historiadora, mulher negra, lésbica, da periferia, ela representa uma nova geração que vem ocupando o cenário político. “Entrei no processo eleitoral sabendo que o sistema político não foi feito para eleger pessoas como eu, mas sempre tivemos confiança no nosso trabalho”, disse. Flávia afirma que a conjuntura mostra que existem pessoas insatisfeitas querendo construir projetos alternativos para a cidade e ela garante que seu mandato será voltado para o atendimento dessas demandas.


Em Olinda, a Câmara Municipal alcançou 52,9% de renovação. Vinicius Castello (PT) é o primeiro homem negro LGBTQ+ que ocupará a Câmara de Olinda. Advogado, ativista dos Direitos Humanos, Vinicius explica que o que sempre lhe pôs em movimento na busca por uma sociedade igualitária foi o questionamento. “A gente precisa questionar as coisas como são?”, disse.

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