A insurgência intelectual negra

Especial reflete o quanto estudiosos negros têm contribuído para o combate do racismo e da discriminação para além dos muros das universidades e na construção de novas narrativas

Ensinamentos de bell hooks pavimentam caminhos
a lideranças como Oluyiá e Maria Clara. Foto: Divulgação

JULIANA AGUIAR
juliana.aguiar@diariodepernambuco.com.br

“Vivemos tempos temerosos, mas é inegável que presenciamos um período de insurgência daqueles e daquelas que ao longo da história têm sido silenciados e oprimidos.” A frase da pensadora afro-americana bell hooks, pseudônimo de Gloria Jean Watkins, de 68 anos, reflete sobre o movimento de insurgência de intelectuais negros diante das profundas marcas deixadas pela colonização extendidas ao racismo estrutural presente no mundo. Seus estudos contribuíram para a compreensão dos caminhos encontrados pelas pesquisadoras negras ante as barreiras impostas para a circulação de seus pensamentos e produções. As ideias hookianas servem como subsídios para apontar de que maneira essas intelectuais insurgentes têm contribuído para o combate do racismo e da discriminação para além dos muros das universidades.

Oluyiá. Foto:Divulgação


A professora pernambucana Auxiliadora Martins, doutora em pedagogia, compreende a insurgência intelectual como forma de resistência. “Compreendo insurgir como um nascer, pertencer e estar presente no tempo atual, mas ainda temos muito que lutar. O nosso país ainda exerce todos os dias o racismo estrutural, e nos últimos dois anos só tem se agravado. Diante dessa realidade, precisamos surgir de novo, denunciando essa desigualdade e anunciando possibilidades de fazer diferente.”
Para Auxiliadora, o movimento é um instrumento da luta antirracista para que pretos possam adentrar os mecanismos de poder na sociedade.

“Quando os pretos estiverem no poder, poderão pensar de fato nos pretos e desenvolver políticas públicas voltadas para esse povo”, destaca. Ela acredita que o racismo só pode ser enfrentado através da educação. “É preciso levar o país a fazer um reconhecimento da população negra e isso só acontece a partir de uma mudança estrutural definitiva”, pontua.
Foi na universidade que a intelectual insurgente recifense Maria Clara Araújo entrou em contato com as ideias hookianas e se viu dentro desse processo. Clara ingressou na UFPE e está finalizando estudos em pedagogia na PUC-SP. Ela também é assessora parlamentar da Mandata Quilombo, da pernambucana Erica Malunguinho, deputada estadual por São Paulo. “Não é só na academia que se produz saberes, e por isso é preciso se estabelecer diálogos e unir a teoria com a prática, levando essa bagagem para dentro da política institucional e pluralizando os saberes de associações culturais e quilombos urbanos.”

Maria Clara. Foto: Divulgação


Foi com esse intuito que o projeto de extensão da UFPE Rede de Afroempreendedores de Pernambuco (Raepe) foi desenvolvido e mantém o movimento afirmativo no campo da produção cultural e artística do estado há dois anos. “Saímos do empreendedorismo genérico, puxando a questão da representação ancestral e revisitando as raízes africanas, com o intuito de promover conhecimento e renda para os produtores”, explica Flávio Valdez, coordenador da Raepe. O próximo evento da rede será hoje, às 10h, no Palácio de Iemanjá, no Sítio Histórico de Olinda, com apresentações musicais, venda de produtos de raiz africana e desfile do estilista senegalês Lassana Mangassoba.

Pensar em insurgência intelectual é lembrar do Quilombo Urbano do Portão do Gelo, em Olinda, onde funciona o Terreiro Xambá, fundado há 90 anos. É pensar em empreendedorismo negro e afrofuturismo no campo das artes e da música. É pensar em pessoas como a pesquisadora e ativista pernambucana Oluyiá França, que deu início há três anos ao projeto Negras Séries, que reúne séries produzidas e protagonizadas por artistas negros, socializando o material com uma rede de usuários interessados em consumir as narrativas. “Fui guiada a compartilhar esse material para buscar representatividade e mostrar onde outras histórias estão sendo contadas. Na TV, a gente não tem uma variedade de histórias negras contadas, principalmente a juventude. Há esse vazio que precisa ser preenchido”, explica.

Para compreender

Grandes exemplos de pensadoras insurgentes no país e seus escritos

Djamila Ribeiro Quem tem medo do feminismo negro? (Companhia das Letras, 2018)
Lélia Gonzalez artigo Por um feminismo afro-latino-americano
Luiza Bairros artigo Nossos feminismos revisitados
Nilma Lino Gomes O movimento negro educador: Saberes construídos nas lutas por emancipação (Editora Vozes, 2017) Sueli Carneiro Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil (Editora Selo Negro, 2011)

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